
Escutas pública PNAB – Sana, Macaé/RJ
No último final de semana, Macaé viveu mais um momento importante da política cultural com a realização das escutas públicas do 2º ciclo da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB). Artistas, produtores, mestres e fazedoras de cultura se reuniram para compartilhar ideias, propor caminhos e defender o que muitos de nós repetimos há anos: cultura não é só evento, é processo, é política pública, é trabalho, é vida.
Mas o que se viu nas escutas foi um choque entre duas visões muito diferentes sobre o que é política cultural. De um lado, os trabalhadores da cultura reivindicando fomento contínuo, condições de trabalho, reconhecimento profissional e permanência. Do outro, uma gestão municipal ainda presa à lógica dos eventos pontuais, das “ações culturais” que brilham por um dia e se apagam na sequência.
A PNAB, como política pública, não é um edital para festa ou palco. Ela existe para garantir o direito à cultura como prática constante e estruturante. Serve para apoiar quem já faz, para formar quem quer fazer e para fortalecer quem mantém viva a cultura nos territórios, todos os dias e não só no calendário oficial.
A Brasiliana esteve presente nas escutas públicas por meio da mestra e produtora cultural Luma Coelho, que apresentou aos participantes um panorama crítico dos resultados do 1º ciclo da PNAB em Macaé. A análise, baseada nos dados oficiais dos quatro editais executados em 2024, apontou questões estruturais importantes:
- Distribuição desigual dos recursos, com concentração no edital de premiação individual (mais de 50% do total);
- Alta taxa de inabilitação entre proponentes cotistas;
- Falta de suporte técnico e formação prévia, especialmente para indígenas, pessoas com deficiência e coletivos informais;
- E um déficit estrutural de acessibilidade na linguagem e no processo dos editais.
Esses dados revelam que a cultura que pulsa nas periferias, nos coletivos e nos espaços de base ainda encontra barreiras para acessar os recursos públicos e isso precisa mudar.
Além disso, durante as escutas, foram citadas ações recorrentes promovidas pela Secretaria de Cultura, como o Palco Aberto e o uso gratuito de equipamentos públicos para apresentações culturais. Apesar de parecerem iniciativas de valorização da produção local, essas ações têm sido realizadas sem a devida remuneração aos artistas envolvidos, o que reforça uma lógica de “visibilidade como pagamento” uma prática que desvaloriza o trabalho artístico e invisibiliza a precarização no setor.
As escutas mostraram que ainda há uma grande lacuna entre o que a comunidade cultural propõe e o que a gestão pública compreende como política cultural. É preocupante perceber que, mesmo após o primeiro ciclo da PNAB e suas falhas já apontadas por diversas cidades, o segundo ciclo ainda começa com os mesmos ruídos: falta de escuta real, pouca clareza sobre critérios, ausência de formação e distanciamento da realidade dos fazedores e fazedoras de cultura.
Eventos são bem-vindos. Mas evento não é política cultural. Apoiar um show, uma mostra ou uma feira pode mobilizar públicos, sim mas isso não substitui a criação de políticas duradouras que garantam acesso, produção e sustentabilidade para quem vive de arte e cultura.
Fomento é mais do que repassar um recurso: é reconhecer a cultura como trabalho, é investir em processos que fortalecem territórios, é distribuir poder de decisão e criar continuidade para além do espetáculo.
Se queremos uma política pública transformadora, precisamos parar de tratar a cultura como enfeite ou entretenimento. Cultura é direito, é identidade, é política viva. E quem está nas pontas, nas periferias, nos coletivos, nas roças, nas comunidades tradicionais, sabe disso muito antes de qualquer edital existir.
Que as falas feitas nas escutas públicas não sejam apenas registradas: que sejam levadas a sério. Porque fazer cultura com dignidade não é um pedido, é um direito.
Fontes:
- Lei nº 14.399/2022 – Institui a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB)
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14399.htm - Lei nº 14.903/2024 – Dispõe sobre normas gerais do fomento à cultura
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14903.htm - Brasiliana Produtora Cultural – Análise crítica dos editais da PNAB – 1º ciclo em Macaé (2024)
Disponível em: Acesse a pesquisa completa aqui! - Coelho, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997.
Disponível em: https://hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Coelho-Dicionario_critico_de_politica_cultural.pdf
Verbete utilizado: Ação Cultural, Política Cultural, Política de Eventos.