O trabalho me adoeceu. E agora?

Desabafo de uma trabalhadora da cultura e comunicadora, que cansou de fingir que tá tudo bem. Mas não tá.

Imagem com colagens de flores, folhas e papéis de jornais, com fundo bege. Em destaque há uma boca gritando em alto falante, NÃO AGUENTO MAIS

Bom, ultimamente tenho questionado bastante tudo ao meu redor, meu trabalho, minha realidade, minhas relações, meus lazeres e meu futuro. Quem tá convivendo comigo anda meio incomodado, porque nunca estive com tantas incertezas na vida, hahahaha.

E tudo isso tá vindo à tona porque, durante muito tempo, coloquei o trabalho em primeiro lugar. Meu maior medo sempre foi o desemprego. Sempre corri atrás da tal estabilidade, da carteira assinada e, por causa disso, aceitei trampos tóxicos, parei de atuar com cultura e fui me enfiando em lugares que drenavam minha energia.

Fiz cursos, estudei idiomas, tentei me especializar em várias áreas, tudo isso buscando ser a profissional do momento … e agora percebo que o mercado mudou novamente. E, por mais que pareça óbvio, que “trabalho é trabalho”, que “graças a Deus você tá trabalhando” quando a gente sente na pele e a mente não consegue processar mais nada, fica difícil de aceitar o que tá sendo dado.

A CLT tá cada vez mais rara. As vagas estão completamente fora da realidade, pedem tudo (inclusive sua alma) e pagam muito menos do que deveriam. Não pagam o investimento em formação, os certificados, nem o inglês intermediário que tanto exigem na descrição da vaga. Agora querem que você domine a tecnologia, o marketing digital, as IAs, o big data, outros idiomas, porque o inglês tá ultrapassado… e AINDA assim, a maioria das vagas são arrombadas.

Porque quando a gente compara o salário com o custo real de vida, não fecha. Talvez nunca tenha fechado e eu só percebi agora, depois de dois burnouts. Trabalhava em duas empresas ao mesmo tempo pra cobrir os gastos da casa, da vida, do lazer, dos streamings, dos cuidados com os gatos (incluindo um com FELV) e ainda estava fazendo mais uma pós-graduação.

Aí vieram os questionamentos:

  • Estamos todos em colapso fingindo normalidade (tipo o meme do Cebolinha correndo desesperado)?
  • É uma crise geracional? (afinal, tô com 35 anos)
  • O mercado de trabalho tá fudido mesmo? (culpa do capitalismo tardio?)
  • Será que eu sou mediana demais pra certos cargos ou esses lugares nunca foram feitos pra gente como eu?

Sinceramente? Acho que é um pouco de tudo. Menos a parte de ser “mediana demais”. Nunca tive o privilégio de me dedicar só a uma coisa. Sempre estudei e trabalhei ao mesmo tempo. E quando sobrava um tempinho, eu ia me aperfeiçoar em alguma linguagem artística.

Hoje, eu prefiro (e gosto) de colocar a culpa no sistema. Afinal de contas, vejo que não passo por isso sozinha. Porque existem sim, lugares que não são pra gente. Foram pensados pra quem vem de outras classes, gêneros, cores. E se hoje ocupamos alguns espaços, muito se deve às políticas ESG, ODS, Agenda 2030 que mal começaram e já estão sendo esvaziadas antes mesmo de serem implementadas de fato.

Eu tô num momento de ressignificar a forma como vejo e vivo o trabalho. 

Como boa millennial que cresceu sonhando em ser a Andy de O Diabo Veste Prada, achei que o trabalho me definiria. Que ser explorada por uma grande empresa em Nova York era o auge. E, acabei sendo explorada por startups, que pagavam de cool, mas pagavam mal. Ou seja, nem foi preciso ir pra Nova York para ser a Andy e conhecer uma Miranda Priestly.

Hoje esse discurso me dá ranço. E essas inquietações sobre trabalho tem colocado minhas certezas de lado, sei que não quero ser explorada por empresa nenhuma, mas também não quero surtar sendo empreendedora, pois não há como você abrir uma empresa sem um capital financeiro. Fora que ser empreendedor é trabalho solitário, que gera muita sobrecarga, e neste momento, é exatamente o que não quero.

Até concurso público, algo que nunca me atraiu, porque, também sempre teve poucos concursos para minha área, surge como uma possibilidade (senhooor me salve). Não porque eu quero, mas porque não consigo enxergar outro caminho em que a relação entre vida e trabalho seja realmente saudável.

E eu sei que isso tudo vem do adoecimento que o trabalho me causou. E que talvez quando me recuperar irei conseguir ver as coisas com outra ótica, mas queria compartilhar meus anseios e angústias com você, com o mundo.

Tenho visto vários amigos da cultura migrando pra TI, Ciência da Computação, Dados. Gente incrível tentando se encaixar em outro lugar, tentando se sustentar. Eu, sinceramente, não consigo me ver nessa transição, afinal sou de humanas, não de exatas, teria que fazer muito esforço e dedicar muito tempo para isso, e não é o que quero.

Porque acredito que precisamos de uma transformação em relação ao trabalho. E que a revolução vai vir pelo trabalhador. 

E eu sigo tentando entender por onde começar a minha.

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